segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O que Calvino disse e deixou de dizer sobre Judas? / What Calvin said and did not say about Judas?

           Baseados nos pensamentos de João Calvino, os chamados “calvinistas” entendem que Deus escolheu uns para a salvação, e uns para a condenação, simplesmente porque assim desejou. Certos que João Calvino acertou quando deu sua opinião sobre a vida de Judas Iscariotes nas famosas Institutas, os calvinistas usam do mesmo argumento para darem continuidade ao pensamento do seu teólogo. Vejamos o que o teólogo francês disse:


Vejamos o que Calvino disse a respeito de Judas:


Institutas III Cap. XXII, 7
Entretanto, o fato de Cristo, em outro lugar, incluir Judas entre os eleitos, quando era um diabo [Jo 6.70], isto se refere apenas ao ofício apostólico, o qual, ainda que seja um nítido espelho do favor de Deus, como em sua pessoa tantas vezes Paulo reconhece, contudo não contém em si a esperança da salvação eterna. Portanto, como exercesse ele perfidamente o apostolado, Judas veio a ser pior que um diabo; aqueles, contudo, a quem Cristo uma vez enxertou em seu corpo, não deixará perecer a nenhum deles [Jo 10.28], porque, ao preservar-lhes a salvação, cumprirá o que foi prometido, isto é, manifestará o poder de Deus que “é maior do que tudo [Jo 10.29]. Ora, o que diz em outro lugar: “Pai, nenhum dos que me deste pereceu, exceto o filho da perdição” [Jo 17.12], ainda que seja uma maneira difícil de falar, contudo não contém nenhuma ambiguidade.

A síntese é: Deus, por uma adoção graciosa, cria aqueles a quem quer ter por filhos. A causa intrínseca disto, porém, está nele próprio, porque não leva em conta nada mais além de seu secreto e singular beneplácito.

Institutas III Cap. XXIV, 7
Mas, acontece diariamente que aqueles que pareciam ser de Cristo, de novo dele decaiam e se arrojem à perdição. Com efeito, nessa mesma passagem onde afirma que ninguém pereceu dentre aqueles que lhe foram dados pelo Pai, contudo, excetua o filho da perdição [Jo 17.12]. Certamente que isto é verdadeiro, mas igualmente verdadeiro é também que os tais nunca foram unidos a Cristo com aquela confiança de coração mercê da qual afirmo que a certeza da eleição se nos faz firme. “Saíram de nós”, diz João, “mas não eram de nós, pois se fossem de nós, ficariam conosco” [1Jo 2.19]. Tampouco nego que tenham com os eleitos sinais afins de vocação, mas de modo algum lhes concedo que tenham esse arrimo infalível da eleição o qual prescrevo que os fiéis busquem na palavra do evangelho. Portanto, que semelhantes exemplos não nos alterem nem nos impeçam de descansar confiados na promessa do Senhor, quando diz que o Pai lhe deu a todos aqueles que com verdadeira fé o recebem, dos quais nem um sequer perecerá por ser ele seu guardião e pastor [Jo 3.16; 6.39].

Institutas III, Cap. XXIV, 9
Esta é a mesma causa de que Cristo faz a exceção há pouco referida, onde diz que “ninguém pereceu, exceto o filho da perdição” [Jo 17.12]. E de fato é uma expressão imprópria, todavia, muito longe de obscura, pois ele não era contado entre as ovelhas de Cristo porque o era realmente, mas porque ocupava seu lugar. Que de fato o Senhor declara em outro lugar que ele foi escolhido para si, com os apóstolos, isto se refere somente ao ministério. “Não vos escolhi”, diz ele, “em número de doze? Contudo, um dentre vós é um diabo” [Jo 6.70]. Isto é, o havia escolhido para o cargo de Apóstolo. Quando, porém, fala da eleição para a salvação, o mantém longe do número dos eleitos: “Não falo a respeito de todos; eu sei a quem escolhi” [Jo 13.18]. Se alguém confunde o termo eleição em ambas essas modalidades de passagens, se enleará miseravelmente; se as distingue, nada é mais livre de embaraço.

Por isso, Gregório se expressa péssima e perniciosamente, quando ensina que temos consciência apenas de nossa vocação, mas que somos incertos de nossa eleição, donde a todos exorta ao temor e tremor, usando ainda deste argumento porque, ainda que saibamos o que somos hoje, entretanto, o que haveremos de ser, nos é desconhecido. Mas com sua maneira de proceder dá a entender bem claramente quanto se enganou nesta matéria. Porque fazia a eleição depender dos méritos das obras, tinha motivo mais que suficiente para abater os ânimos; firmá-los não podia, porque não os transferia de si próprio para a confiança da bondade divina. Daqui os fiéis podem ter algum sabor daquilo que já discutimos no início: a predestinação, se for entendida corretamente, não produz a convulsão da fé, mas, antes, sua melhor confirmação. Entretanto, tampouco nego que às vezes o Espírito acomoda a linguagem à medida de nosso senso, como quando diz: “No conselho secreto de meu povo não estarão e na lista de meus servos não serão escritos” [Ez 13.9]. Como se Deus começasse a inscrever no livro da vida aqueles a quem conta no número dos seus, quando, no entanto, sabemos que o próprio Cristo o atesta [Lc 10.20], dizendo que os nomes dos filhos de Deus foram escritos no livro da vida desde o início [Fp 4.3]. Com estas palavras, porém, simplesmente se assinala a exclusão daqueles que pareceram principais entre os eleitos, como lemos no Salmo: “Sejam apagados do livro da vida e com os justos não sejam inscritos” [Sl 69.28].
Institutas III, Cap. XXV, 6
Enquanto isso, uma vez que a Escritura por toda parte nos ordena que dependamos da expectativa da vinda de Cristo e que prorroga a coroa de glória até esse momento, estejamos contentes com estes limites divinamente prescritos: uma vez desincumbidas de sua militância, as almas dos piedosos passa para o bem-aventurado descanso, onde, com feliz alegria, aguardam desfrutar da glória prometida, e assim todas as coisas sejam tidas em suspenso todas até que Cristo apareça como Redentor. Os réprobos, porém, não há dúvida de que têm a mesma sorte que é prescrita a Judas e aos diabos, a saber, são mantidos atados por cadeias, até que sejam arrastados ao suplício a que foram destinados [Jd 6].

Institutas IV, Cap. XIV, 15
A isto se refere também aquela distinção entre o sacramento e a realidade do sacramento, a qual Agostinho também estabelece. Porque não significa apenas que aí se contêm a figura e a realidade, mas que de tal maneira estão unidas, que não podem separar-se, e também que na própria união convém distinguir-se sempre a realidade do sinal, para que não transfiramos a um o que é do outro. Agostinho fala da separação quando escreve que somente nos eleitos os sacramentos efetuam o que figuram. De igual modo, quando escreve a respeito dos judeus: “Embora os sacramentos fossem comuns a todos, a graça não era comum, a qual é o poder dos sacramentos. Assim também a lavagem da regeneração [Tt 3.5] é agora comum a todos, mas a própria graça, pela qual os membros de Cristo são regenerados juntamente com seu Cabeça, não é comum a todos.” De novo, em outro lugar, a respeito da Ceia do Senhor: “Nós também recebemos hoje o alimento visível; mas uma coisa é o sacramento, outra o poder do sacramento. Por que é que muitos se aproximam do altar, e lhes serve de condenação o que ali recebem? Ora, inclusive o bocado do Senhor foi veneno para Judas, não porque recebeu o mal, mas porque, sendo mau, recebeu mal o bem.” Pouco depois: “O sacramento desta matéria, isto é, da unidade da corpo e do sangue de Cristo, é preparado na mesa do Senhor em alguma parte, diariamente; em outra parte, em intervalos, em certos dias; e alguns tomam dela para vida, e outros, para perdição.

Institutas VI, Cap. XVII, 34
E para que melhor se remova a dúvida, depois de haver dito que este pão requer a fome do homem interior, Agostinho acrescenta: “Moisés, Arão, Finéas e muitos outros que comeram o maná agradaram a Deus. Por quê? Porque entendiam o alimento visível espiritualmente, apeteciam espiritualmente, degustavam espiritualmente, de sorte que fossem saciados espiritualmente. Ora, também nós hoje temos recebido o alimento visível, mas uma coisa é o sacramento; outra, a virtude do sacramento.” Pouco depois: “E mediante isto, aquele que não permanece em Cristo, e em quem Cristo não permanece, indubitavelmente nem ingere espiritualmente sua carne, nem espiritualmente bebe seu sangue, ainda que triture carnal e visivelmente com os dentes o sinal do corpo e do sangue.” Ouvimos de novo que o sinal visível se contrapõe à ingestão espiritual, com que se refuta este erro: que o corpo invisível de Cristo seja deveras comido sacramentalmente, se bem que não espiritualmente. Ouvimos também que nada se concede dele aos profanos e impuros, senão o recebimento visível do sinal. Daqui seu célebre dito de que os demais discípulos ingeriram o Pão Senhor; Judas, porém, o Pão do Senhor, com que claramente exclui aos incrédulos da participação de seu corpo e sangue. Tampouco a outro propósito visa ao que diz em outra parte: “Por que te maravilhas se a Judas foi dado o pão de Cristo, mediante o qual se fizesse servo do Diabo, quando vês, em contrário, que a Paulo foi dado um mensageiro do Diabo, através do qual fosse aperfeiçoado em Cristo” [2Co 12.7]?1



Vejamos agora o que Calvino NÃO disse sobre a carreira apostólica de Judas.


Calvino NÃO disse que Judas recebeu a promessa para ser um dos doze juízes que julgaria as doze tribos de Israel:

Então, lhe falou Pedro: Eis que nós tudo deixamos e te seguimos; que será, pois, de nós? Jesus lhes respondeu: Em verdade vos digo que vós, os que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do Homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel (Mt 19:27-28)


Calvino NÃO disse que Judas recebeu dádivas que somente um salvo pode receber:

Tendo chamado os seus doze discípulos, deu-lhes Jesus autoridade sobre espíritos imundos para os expelir e para curar toda sorte de doenças e enfermidades. A estes doze enviou Jesus, dando-lhes as seguintes instruções: Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos; Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios; de graça recebestes, de graça dai.” (Mt 10:1-8)

Nos versículos 19 e 20 do mesmo capítulo, Jesus prometeu que quando os doze fossem entregues às autoridades por estarem pregando as Boas Novas, quem falaria neles ou por eles, incluindo Judas, obviamente, seria o Espírito Santo:

por minha causa sereis levados à presença de governadores e de reis, para lhes servir de testemunho, a eles e aos gentios. E, quando vos entregarem, não cuideis em como ou o que haveis de falar, porque, naquela hora, vos será concedido o que haveis de dizer, visto que não sois vós os que falais, mas o Espírito de vosso Pai é quem fala em vós. (Mt 10:18-20)

Como vimos, Judas recebeu promessas e dádivas espirituais na mesma proporção dos demais apóstolos salvos.


Calvino NÃO disse que Jesus considerava Judas seu amigo, companheiro e etc...

Jesus, porém, lhe disse: Amigo, para que vieste? Nisto, aproximando-se eles, deitaram as mãos em Jesus e o prenderam. (Mt 26:50)

O vocábulo traduzido por “Amigo” é o substantivo ἑταῖρε Segundo o TDNT esse vocábulo tem os seguintes sentidos:
Este termo é usado para um. "Companheiro", b. "Companheiro de lutas", c. "Membro do mesmo partido," d. "Sociedade religiosa", e. "Aluno", f, "amigo", e g. "Colega." Não é comum na LXX, mas é usado mais tarde no judaísmo para um membro qualificado, mas ainda não ordenado do corpo de escriba, e mais amplamente para quem procura viver rigorosamente a lei, especialmente as suas exigências rituais.2

O BDAG diz:
...camarada, companheiro, de um membro de um grupo de colegas membros D 14: 2. De playmates Mt 11:16 V.L. Dos discípulos de Jesus (X., Mem. 2, 8, 1 al. Sócrates refere-se a seus alunos como e` .; Ael. Aristid. 47 p. 421 D. oi` Pla, twnoj e` .; Porphyr., Vi .. Pythag 55 de Pythag.-Philo, Vi Cont 40 de companheiros de Odisseu) Mt 26:50 (e`tai / re;.... cp Jos, 12 Ant, 302 w = e`tai / roi.); GPT 07:26. Papi, aj ...2

O UBS diz:
 ἑταῖρε você meu amigo, companheiro.2

Strong diz:
2083 Significado: 1) um camarada, companheiro, parceiro 2) na gentilmente endereço 2a) amigo (meu bom amigo)2

Além desses ainda temos o EDNT; FRIBERG; LS; LEH;UBS; THAYER; GNT; LIDDELL-SCOTT, trazendo o mesmo sentido de amizade. 

Ou seja, entre Cristo e Judas sempre houve um sentimento de companheirismo. Jesus não poderia ter predestinado seu Amigo ao inferno, aliás, Cristo não predestinou ninguém de forma incondicional ao inferno.

             Assim, entendemos que Calvino passou “desapercebido” por esses textos uma vez que com clareza é mostrado que Judas além de ter sido escolhido como apóstolo, recebeu promessas e poderes que somente um - salvo - pode possuir. Logo, não é correto dizer que Judas foi predestinado incondicionalmente ao inferno,  embora ele tenha ido para lá, pois, ele era Amigo de Jesus. 
Notas:
http://ospuritanos.blogspot.com.br/2011/04/as-institutas-da-religiao-crista-e.html
2  Biblieworks9

Itard Víctor Camboim De Lima. 26/01/2015. Editado em 03/08/2017.

domingo, 25 de janeiro de 2015

O “plural majestático” e sua origem / The "royal we" and its origin





Cuidado
 que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade. (Cl 2:8-9)

Uma das ferramentas dos opositores da doutrina da Trindade, como por exemplo, judeus ortodoxos, messiânicos, testemunhas de jeová e todos aqueles que são adeptos do Arianismo, Sabelianismo e Monoteísmo Absoluto, é a expressão “ PLURAL MAGESTÁTICO”. Esta expressão é aplicada em alguns versículos dos três primeiros capítulos do livro do Gênesis que contém os verbos “façamos, desçamos, confundamos" e o pronomes " nossa e nós" (Gn 1:26, 3:22,11:7), com o intuito de negar a existências das Três Pessoas distintas da Santíssima Trindade, pois é através desse raciocínio que tais sectários afirmam que Deus usou os verbos no plural como forma de expressar apenas sua modéstia, ou seja, Ele falou consigo mesmo. Todavia, alguns estudiosos a aceita, outros não. Vejamos como os judeus interpretam o texto do Gênesis:

FAÇAMOS O HOMEM- à partir disso notamos a humildade do Santo, Bendito Seja. Visto que o homem foi criado à semelhança dos anjos, e eles poderiam invejá-lo, Ele os consultou. E quando Ele julga os reis, Ele consulta Sua côrte celestial, e assim vemos no caso de Ach'av, quando Michah disse-lhe (I Rs 22:19): "Eu vi o S-nhor assentado sobre Seu trono, e toda a hoste celestial em Sua presença, à Sua direita e à esquerda”. Ora, será que “direita” e “esquerda” aplica-se a Ele? Na verdade, a passagem quer dizer que esses anjos estavam à direita para defender e à esquerda para acusar. Da mesma forma (Dan 4:14): “Esta sentença é por decreto dos vigias (anjos da esquerda), e por mandado dos santos (anjos da destra)”. Aqui também Ele consulta a côrte celestial. Ele disse-lhes: “Entre os seres celestiais, há alguns conforme Minha semelhança. Se não houver nenhum conforme Minha semelhança entre os seres terrenos, haverá inveja entre os seres da criação” (Tanchumá Shemot 18, Bereshit Rabbah, 8:11,14:13)

Façamos o homem – e mesmo que os anjos não O tenham assistido em Sua criação, e haja aqui lugar para os heréticos se rebelarem e pervertem o plural como base para suas heresias, a Escritura não hesitou em ensinar a conduta apropriada no trato da humildade, ao ponto de mostrar que alguém com autoridade consulte o menor para dele receber permissão (n.t., ainda que teoricamente). Se estivesse escrito: “Eu farei o homem” nós não aprenderíamos que Ele estava falando com Seu tribunal celeste, mas sim, com Ele mesmo; E a refutação aos hereges está escrita na seqüência (i.e., no verso seguinte): “E [D-us] criou (וַיִּבְרָא) ,” e não diz, “e eles criaram וַיִּבְרְאוּ.” - [de Bereshit. Rabbah 8:9] 1



O Targum do pseudo-Jonatas, no comentário de Gn 1:26, traz uma ideia de que Deus convocou os anjos para juntamente com Ele fazerem o homem à  imagem e semelhança:

E o Senhor disse aos anjos que ministravam perante Ele, que haviam sido criados no segundo dia da criação do mundo: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, sobre as aves que estão na atmosfera do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis rastejantes sobre a terra. (Gen 01:26 PJE)2

O Targum de Ônquelos apenas repete o texto hebraico:

E o Senhor disse: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e terá domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra. (Gn 1:26 OKE)2

Os hebraístas, Keil & Delitzsch, dizem que os pais da Igreja entendiam que o pronome “nós” fazia referência à Trindade:

O plural "nós" era considerada pelos padres e teólogos anteriores quase unanimemente como indicativo da Santíssima Trindade: comentaristas modernos, pelo contrário, considero-o como pluralis majestatis ; ou como um endereço de Deus para Si mesmo, um endereço para os espíritos ou anjos que estão ao redor da Divindade e que constitui o seu Conselho. (Keil & Delitzsch Commentary on the Old Testament)3


Todavia, só foi a partir do século XI, com o rabino judeu de nacionalidade francesa4, conhecido como RASHI, que a expressão “PLURAL MAGESTÁTICO”, passou a ter valor no mundo religioso judaico. O Pastor e professor de hebraico, Esequias Soares, explicando acerca da pluralidade que há no vocábulo Elohim disse o seguinte sobre esta expressão:
   

O nome Elohim apresenta os primeiros vislumbres da Trindade. A declaração de Gênesis 1.1 traz o verbo no singular, “criou”, e o sujeito no plural Elohim, “Deus”, o que revela a unidade de Deus na Trindade. Construção similar aparece em várias partes do Antigo Testamento: “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gn 1.26); “Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de nós” (Gn 3.22); “Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua” (Gn 11.7).

A Trindade é vista em Elohim À luz do contexto bíblico. O Novo testamento explicitou o que antes estava implícito no Antigo Testamento. Quando Elohim refere-se às divindades falsas traz no plural o verbo, o pronome ou o adjetivo, representando a multiplicidade. Quando, porém, aplicado ao Deus de Israel, o verbo e o seus complementos vêm geralmente no singular. Os rabinos reconheceram a pluralidade neste nome, mas, como o judaísmo é uma religião que defende o monoteísmo absoluto, e não admite Jesus Cristo como o Messias de Israel, fica difícil para eles entenderem essa pluralidade. Para explicá-la, argumentam ser um plural de majestade, mas isso é uma determinação rabínica posterior. A definição de plural de majestade ou de excelência, como disse, foi dada pelo rabinato posterior. Disse Shlomo ibn Yitschaki, conhecido pela sigla RASHI, grande rabino e erudito judeu (nascido em 1040): “O plural de majestade não significa haver mais de uma pessoa na divindade”. Essa declaração serviu para o judaísmo prosseguir sua marcha mantendo o monoteísmo absoluto sem Jesus e sem o Espírito Santo. (Os Dez Mandamentos, p. 51-52, grifo nosso).5

Como vimos, a crença de um suposto plural majestático é tardia e não merece crédito, pois além de ser um crença “jovem”, nunca foi crida ou ensina pelo Igreja. Além disso, RASHI era um escritor e comentarista místico, que têm seus comentários contidos na Torá da editora SEFER, onde ele diz que Caim deu à luz a Caim com uma irmã gêmea, que seu sinal era um chifre, que a primeira esposa de Adão não foi Eva, mas Lilith, ideias essas que não existem na Bíblia, mas que são apenas Midrash’s, isto é, pura especulação de quem não teve um encontro com o Espírito Santo. Portanto, fica aqui o alerta quanto aos ensinos sectários.

Isto que vos acabo de escrever é acerca dos que vos procuram enganar. Quanto a vós outros, a unção que dele recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas, e é verdadeira, e não é falsa, permanecei nele, como também ela vos ensinou. (1Jo 2:26-27)


Notas:
1 http://pactouniversal.blogspot.com.br/2014/05/plural-majestatico-nao-ha-mais-de-um-dus.html
2 Bibleworks9
3 http://www.studylight.org/commentaries/kdo/view.cgi?bk=0&ch=1
4http://www.tropicasher.com.br/old/index.php?option=com_content&view=article&id=742:rabi-shlomo-yitschaki-rashi-1040-1105-yurzeit-dia-29-de-tamuz&catid=49:cat-galeria-dos-tsadikim&Itemid=74
5 SOARES, Esequias. Os Dez Mandamentos. 1ª edição. 2014. CPAD.


sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Uma resposta ao Preterismo / A response to Preterism








                                          

O Preterismo é o pensamento que ensina que o milênio já está ocorrendo e que Satanás foi aprisionado quando Cristo morreu na cruz. Para apoiar a crença que Satanás está preso, os preteristas usam o texto de Ap 20 que diz:

Então, vi descer do céu um anjo; tinha na mão a chave do abismo e uma grande corrente. Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos; lançou-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até se completarem os mil anos. Depois disto, é necessário que ele seja solto pouco tempo. (Ap 20:1-3 ARA)

E argumentam que João quando escreveu o livro do Apocalipse, escreveu antes da queda do Templo de Jerusalém se referindo ao imperador Nero como sendo o Anticristo, ou seja, antes do ano 70 d.C. 1.

Todavia, não é isso o que diz a história como veremos logo adiante.

Resposta:
É interessante lembrarmos que o apóstolo João quando escreveu o livro do Apocalipse estava exilado na ilha de Patmos:

Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no reino e na perseverança, em Jesus, achei-me na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus. (Ap 1:9 ARA)

Eusébio de Cesaréia relatou que o Apocalipse foi escrito no final do governo do imperador Domiciano:


É tradição que, neste tempo, o apóstolo e evangelista João, que ainda vivia, foi condenado a habitar a ilha de Patmos por ter dado testemunho do Verbo de Deus. Pelo menos Irineu, quando escreve acerca do número do nome aplicado ao anticristo no chamado Apocalipse de João, diz no livro V Contra as heresias, textualmente sobre João o que segue: Mas se fosse necessário atualmente proclamar abertamente seu nome, seria feito por meio daquele que também viu o Apocalipse, já que não faz muito tempo que foi visto, mas quase em nossa geração, ao final do império de Domiciano." [...] Indicaram inclusive com total exatidão a data ao referir que no décimo quinto ano de Domiciano, Flávia Domitila, filha de uma irmã de Flávio desterro à ilha de Pontia, por causa de seu testemunho sobre Cristo. (História Eclesiástica, p. 61-62, grifo nosso)2

Jerônimo disse que João foi banido para ilha de Patmos pelo imperador Domiciano depois do governo de Nero:

“… no décimo quarto ano depois de Nero, Domiciano, tendo levantado uma segunda perseguição, baniu João para a ilha de Patmos, onde ele escreveu o Apocalipse, em que Justino Mártir e Irineu depois escreveram comentários. Mas Domiciano tendo sido condenado à morte e seus atos, por conta de sua excessiva crueldade, foram anulados pelo Senado, e João voltou a Éfeso…”. (Homens Ilustres, IX, grifo nosso)

“Segundo Jerônimo, o Apóstolo João foi exilado em Patmos em 82 dC, e não antes disso. Ora, se Nero morreu em 68 dC, e 14 anos depois houve uma perseguição impetrada por Domiciano, evidente que o ano dessa perseguição só pode ter sido 82 dC.”

Em Contra Jovinianus, Livro 1, Jerônimo também escreveu:

“João é tanto um apóstolo e um evangelista, um profeta e um apóstolo, porque ele escreveu às Igrejas como um mestre; Um evangelista, porque ele compôs um Evangelho, uma coisa que nenhum outro dos apóstolos, com exceção de Mateus, o fez; um profeta, pois ele viu na ilha de Patmos, para o qual ele havia sido banido pelo imperador Domiciano como um mártir para o Senhor, o Apocalipse, contendo os mistérios sem limites do futuro.” (Grifo nosso)

Hipolitis escreveu em 236, no capítulo um, versículo 3 de  Doze Apóstolos:

“João, de novo na Ásia, foi banido por Domiciano  para a ilha de Patmos…  e no tempo de Trajano ele adormeceu em Éfeso, onde seus restos mortais foram procurados, mas não foram jamais encontrados”.

Sulpitius Severo foi um escritor eclesiástico que nasceu na Aquitânia em 360. Ele morreu cerca de 420-25. No capítulo 31 do livro 2 de sua História Sagrada, lemos:

“… Então, depois de um intervalo, Domiciano, filho de Vespasiano, perseguiu os cristãos. Nesta data, ele baniu João Apóstolo e Evangelista para a ilha de Patmos”.3



Por que João não se referiu ao imperador Nero como o Anticristo?

 Porque Nero governou de 13 de outubro de 54 d.c até a sua morte, a 9 de junho de 68 d.C., e nessa época Domiciano ainda não governava uma vez que seu governo se deu em 14 de setembro de 81 d.C. até a sua morte a 18 de setembro de 96 d.C., e como vimos através da história, Foi Domiciano quem exilou João em Patmos, lugar onde o livro das revelações foi escrito.4


Irineu de Lyon, que é do século II, aproximadamente (130-202), baseado na Bíblia, diz que o Anticristo iria reinar por três anos e meio, ou seja, “irá” está no futuro do presente, e é impossível que fosse uma referência ao ano 70 d.c. como querem os preteristas uma vez que Nero já estava morto:

“É exatamente isto que fará o Anticristo no tempo de seu reinado: transferirá o seu reinado para Jerusalém, assentar-se-á no templo de Deus, enganando os seus adoradores, fazendo com que creiam que é o Cristo” [Santo Ireneu de Lião, Contra as heresias, Livro V, 25, 4, 587, grifo nosso].5

Outra fonte diz:

"Quando o Anticristo devastar todas as coisas neste mundo, ele vai reinar por três anos e seis meses e sentar no Templo em Jerusalém; depois, virá o Senhor do céu nas nuvens, e a glória do Pai, mandando esse homem...” (Pais, Vol. 1:560).6

Portanto, usar o texto de Ap 20 para apoiar o pensamento que o diabo está preso é forçar tanto a história como a Bíblia, pois os fatos mostram o contrário do que é defendido pelo Preterismo uma vez que João escreveu que o Anticristo ainda virá.


Notas:
1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Preterismo
http://www.gotquestions.org/Portugues/preterismo.html
http://preterismo-reformado.blogspot.com.br/
2 CESARÉIA, Eusébio de. História Eclesiástica. Novo Século.
3 http://agrandecidade.com/2013/09/01/o-testemunho-dos-pais-da-igreja/
4 http://pt.wikipedia.org/wiki/Nero
http://pt.wikipedia.org/wiki/Domiciano
5 http://paroquiadapiedade.com.br/formacao/catequetica/nos-tempos-do-anticristo/
6 https://josiasmoura.wordpress.com/2012/04/17/aula-de-hermeneutica-ii-a-interpretao-de-textos-profticos-o-caso-do-livro-de-apocalipse/

Itard Víctor Camboim De Lima 23/01/2015




domingo, 11 de janeiro de 2015

O Concilio de Nicéia





Embora Tertuliano tivesse outorgado à igreja a ideia de que Deus é uma única substância e três pessoas, de maneira alguma isso serviu para que o mundo tivesse compreensão adequada da Trindade. O fato é que essa doutrina confundia até os maiores teólogos. Logo no início do século IV, Ario, pastor de Alexandria, no Egito, afirmava ser cristão, porém, também aceitava a teologia grega, que ensinava que Deus é um só e não pode ser conhecido. De acordo com esse pensamento, Deus é tão radicalmente singular que não pode partilhar sua substância com qualquer outra coisa: somente Deus pode ser Deus. Na obra intitulada Thalia, Ario proclamou que Jesus era divino, mas não era Deus. De acordo com Ario, somente Deus, o Pai, poderia ser imortal, de modo que o Filho era, necessariamente, um ser criado. Ele era como o Pai, mas não era verdadeiramente Deus.
Muitos ex-pagãos se sentiam confortáveis com a opinião de Ario, pois, assim, podiam preservar a ideia familiar do Deus que não podia ser conhecido e podiam ver Jesus como um tipo de super-herói divino, não muito diferente dos heróis humanos-divinos da mitologia grega. Por ser um eloquente pregador, Ario sabia extrair o máximo de sua capacidade de persuação e até mesmo chegou a colocar algumas de suas ideias em canções populares, que o povo costumava cantar.

"Por que alguém faria tanto estardalhaço com relação às ideias de Ario?", muitas pessoas ponderavam. Porém, Alexandre, bispo de Ario, entendia que para que Jesus pudesse salvar a humanidade pecaminosa, ele precisava ser verdadeiramente Deus. Alexandre conseguiu que Ario fosse condenado por um sínodo, mas esse pastor, muito popular, tinha muitos adeptos. Logo surgiram vários distúrbios em Alexandria devido a essa melindrosa disputa teológica, e outros clérigos começaram a se posicionar em favor de Ario. Em função desses distúrbios, o imperador Constantino não podia se dar ao luxo de ver o episódio simplesmente como uma "questão religiosa". Essa "questão religiosa" ameaçava a segurança de seu império. Assim, para lidar com o problema, Constantino convocou um concilio que abrangia todo o império, a ser realizado na cidade de Nicéia, na Ásia Menor.
Vestido com roupas cheias de pedras incrustadas e multicoloridas, Constantino abriu o concilio. Ele disse aos mais de trezentos bispos que compareceram àquela reunião que deveriam resolver o impasse. A divisão da igreja, disse, era pior do que uma guerra, porque esse assunto envolvia a alma eterna. O imperador deixou que os bispos debatessem. Convocado diante dos bispos, Ario proclamou abertamente que o Filho de Deus era um ser criado e, por ser diferente do Pai, passível de mudança. A assembleia denunciou e condenou a afirmação de Ario, mas eles precisavam ir além disso. Era necessário elaborar um credo que proclamasse sua própria visão. Assim, formularam algumas afirmações sobre Deus Pai e Deus Filho. 
Nessas declarações, O Concilio de Nicéia descreviam o Filho como "Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstanciai com o Pai". A palavra "consubstancial" era muito importante. A palavra grega usada pelos conciliares foi homoousios. Homo quer dizer "igual"; ousios significa "substância". O partido de Ario queria acrescentar uma letra a mais àquela palavra: homoiousios, cujo significado passaria a ser "de substância similar". Com exceção de dois bispos, todos os outros assinaram a declaração de fé. Esses dois, com Ario, foram expulsos. Constantino parecia satisfeito com o resultado de sua obra, mas isso não durou muito tempo. Embora Ário tivesse ficado temporariamente fora do cenário, sua teologia permaneceria por décadas.
 Um diácono de Alexandria chamado Atanásio tornou-se um dos maiores opositores do arianismo. Em 328, Atanásio tornou-se bispo de Alexandria e continuou a lutar contra aquela facção. No entanto, a guerra continuou na igreja do Oriente até que outro concilio, realizado em Constantinopla, no ano 381, reafirmou o Concilio de Nicéia. Ainda assim, traços dos pensamentos de Ario permaneceram na igreja.

O Concilio de Nicéia foi convocado tanto para estabelecer uma questão teológica quanto para servir de precedente para questões da igreja e do Estado. A sabedoria coletiva dos bispos foi consultada nos anos que se seguiram, quando questões espinhosas surgiram na igreja. Constantino deu início à prática de unir o império e a igreja no processo decisório. Muitas consequências perniciosas seriam colhidas nos séculos futuros dessa união.

Fonte: Os 100 Acontecimentos mais Importante da História do Cristianismo. 11/01/2015

Refutando a Tradução do Novo Mundo das Testemunhas de Jeová




Se você chegou a esse texto imagino que tenha dúvidas sobre como deve entender o bem conhecido texto do Apóstolo João na abertura do seu evangelho: “No princípio era o Verbo, o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus” (ARA).

A grande pergunta é: Quem traduz de modo correto esse texto: A TNM ou outras versões cristãs?

Há um bom tempo que venho estudando e escrevendo sobre o assunto e pareceu por bem organizar algumas dessas informações nesse artigo para o leitor possa encontrar em um mesmo artigo todas as informações que precisar. Nesse artigo apresento os argumentos TJ comumente ouvidos em fóruns pela internet e alguns provenientes das revistas publicadas pela Sociedade Torre da Vigia (STV). Abaixo, apresento esses argumentos e minha opinião sobre o assunto.

Será enriquecedor se o leitor puder conferir minha opinião com os olhos em outros materiais teológicos e na bíblia, pois muitos versos serão utilizados.

1. DEUS NO ORIGINAL NÃO TEM ARTIGO

Resposta:

A ausência do artigo não exige que um substantivo seja entendido indefinidamente. Esse fato é observado com facilidade no NT. Por exemplo, nomes próprios não exigem artigo (At.19.13; Mt.2.7; 1Co.9.6; Cl.4.10). Outro fato observável com facilidade no NT é que títulos de livros não exigem a presença do artigo e nem por isso são entendidos indefinidamente (Mc.1.1). Veja por exemplo o caso de 1 Pedro 1.1-2 na TNM:

“Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos residentes temporários espalhados por Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia, aos escolhidos segundo a presciência de Deus, o Pai, com santificação pelo espírito, com o objetivo de que sejam obedientes e sejam aspergidos com o sangue de Jesus Cristo. Benignidade imerecida e paz vos sejam aumentadas”

Toda essa sentença é escrita sem nenhum artigo grego e isso não faz com que todos os substantivos sejam indefinidos. Esse tipo de situação não é incomum no grego do NT e caso semelhante acontece com palavras abstratas que também não exigem a presença de artigo para serem entendidas como definidas (Gl.5.20; Rm.1.29). Veja outro exemplo interessante na TNM em Apocalipse 5.20:

dizendo com voz alta: “O Cordeiro que foi morto é digno de receber o poder, e as riquezas, e a sabedoria, e a força, e a honra, e a glória, e a bênção.. (veja 7.12)

Nesse caso apenas o substantivo “Cordeiro” e “poder” estão acompanhados de artigo, mas a ausência em todos os outros não os tornam obrigatoriamente indefinido. Isso se deve a um aspecto interessante do grego koinê: A ausência de artigo não exige que um substantivo deva ser entendido indefinidamente. Ela pode ser tanto definida, indefinida como qualitativa, o que faria que o substantivo funcionasse como um adjetivo.

Ou seja, dizer que Jo.1.1c é indefinido só por que não tem artigo não é fundamento suficiente. (Aos que querem mais informações, recomendo a leitura do artigo: Ausência de Artigo no Grego Koinê, também publicado no Teologando.

Contudo, em nossa rápida demonstração nada falamos sobre o uso do substantivo “Deus” será que a ausência de artigo com esse substantivo implique na tradução indefinida?

2. DEUS SEM ARTIGO NÃO É O DEUS PAI (JEOVÁ)

Resposta:

Essa alegação parecida com a anterior, mas é um pouco mais restrita no seu escopo. A questão agora é se o substantivo “Deus” em grego quando não vem acompanhado de artigo deve ser entendido indefinidamente.

Essa declaração também não parece satisfatória, pois existem ao menos 29 ocasiões em que o substantivo “Deus” é usado sem artigo no NT no mesmo caso que em Jo.1.1 (nominativo) e nem por isso temos 29 declarações indefinidas (Mc. 12:26 (x2), 27; Jo.1:1, 18; 8:54 10:34; At.19:26; Rm.8:33 9:5; 1Co.3:7 8:4, 5 (x2), 6; 2Co.1:3, 21; 5:5, 19 6:16; Gl.6:7; Ef.4:6; Fl.2.13; 1Ts.2:5; 2Ts.2:4; 1Tm.2:5; Hb.3:4; 11:16; Tg.2:19; Ap.21:7). Isso sem contar as diversas outras vezes que o substantivo “Deus” é usado em outros casos sem artigo e continua sendo definido.

Por exemplo, quando o autor quer fazer uma declaração de contraste entre o que é de Deus e o que é humano, a situação é tão claramente favorável a se entender como uma referência a Deus (Pai, Jeová) que o artigo não é usado. Veja como a TNM entende Mateus 4.4:

Mas ele disse em resposta: Está escrito: O homem tem de viver, não somente de pão, mas de cada pronunciação procedente da boca de Jeová

Nesse caso a referência a Deus Pai (Jeová) é tão clara que a TNM já adotou o nome de Deus aqui. Entretanto, nesse caso o substantivo “Deus” não tem artigo e nem por isso traduzimos “da boca de um deus“. Alguém poderia dizer que isso acontece por que é uma citação do VT e por isso deve seguir a mensagem do texto original. Tudo bem, posso entender essa objeção, mas ela não explica por que Mateus não usou o artigo nesse texto. Mas, o que dizer quando Paulo usa o substantivo “Deus” ora com artigo ora sem? Observe o caso de Romanos 8.7-8 na TNM:

porque a mentalidade segundo a carne significa inimizade com Deus, visto que não está em sujeição à lei de Deus, de fato, nem pode estar. De modo que os que estão em harmonia com a carne não podem agradar a Deus

Nesse verso, apenas o segundo uso do substantivo “Deus” tem artigo, os outros não. Se assumirmos que “Deus” sem artigo não se refere a Deus, a quem estaria Paulo se referindo nesse texto? Esse tipo de contraste é tão claro que não temos dúvida que o autor fala do Deus Pai (Jeová), mesmo que o substantivo não tenha artigo. Veja outros casos similares a esses em Mt.6.24; 19.26; Lc.12.21; At,5.29; Rm 9.5; 1Co.10.20.

Outro caso que os autores do NT usa o substantivo Deus sem artigo é quando o usa como título. Observe o caso de Mateus 14.33:

Então os que estavam no barco prestaram-no homenagem, dizendo: Verdadeiramente tu és Filho de Deus

Nesse verso nem filho nem Deus tem artigo, mas ainda assim são entendidos definidamente. Esse tipo de uso é frequente no NT, e o leitor pode encontrar mais exemplos em: Lc 2:14, 40, 52; 3:2; 20:36, 38, Jo.1:6; 1:13; 3:21; 6:45; 9:33; 10:34; 17:3; At. 7:40; 15:8; Rm 1.4, 7, 23; 2:17; 8:16… etc.

Outro modo de usar o substantivo Deus sem artigo acontece quando os autores do NT fazem alguma declaração a respeito de quem Ele é. A TNM usa em Romanos 1.16, 17 e 18 as seguintes declarações sobre Deus: “o poder de Deus para salvação” (16); “se revela a justiça de Deus” (17) e “o furor de Deus” (18) como referências a Deus Pai, mas em todos os casos o substantivo Deus está sem artigo.

O que podemos dizer sobre a acusação de que Deus em artigo não se refere a Deus? Que o NT está repleto de ocasiões em que o substantivo ocorre sem artigo e não é apenas entendido de modo definido como a referência é clara a Deus. Para os leitores que querem observar esse fenômeno com mais detalhes, sugiro a leitura do artigo O uso anarto de Theós no Novo Testamento, também publicado no Teologando.

Mas, até agora olhamos apenas para casos que demonstram que substantivos sem artigo podem ser definidos e que o substantivo Deus sem artigo também pode ser entendido definidamente e como referência a Deus Pai (Jeová), mas, nada foi dito sobre o que acontece em Jo.1.1c. Será que podemos entender esse substantivo definidamente nesse caso? Será que a ordem das palavras faz alguma diferença?

3. A ORDEM DAS PALAVRAS SUGERE QUE DEUS DEVE SER ENTENDIDO INDEFINIDAMENTE

Resposta:

Essa é uma declaração importante e que precisa ser observada com atenção. Normalmente o grego não exige que as palavras sejam colocadas em uma ordem específica, como ocorre no português. Por exemplo, uma sentença ordinária em português pode ser assim descrita: Sujeito – Verbo – Predicado: Jesus ama Paulo. Nessa sentença, Jesus é o sujeito, amar o verbo, e Paulo o predicado.

No grego essa sentença poderia ser escrita de 16 modos diferentes sem qualquer diferença de significado:

1.᾿Ιησοῦς ἀγαπᾷ Παῦλον
2.᾿Ιησοῦς ἀγαπᾷ τὸν Παῦλον
3.ὁ ᾿Ιησοῦς ἀγαπᾷ Παῦλον
4.ὁ ᾿Ιησοῦς ἀγαπᾷ τὸν Παῦλον
5.Παῦλον ᾿Ιησοῦς ἀγαπᾷ
6.τὸν Παῦλον ᾿Ιησοῦς ἀγαπᾷ
7.Παῦλον ὁ ᾿Ιησοῦς ἀγαπᾷ
8.τὸν Παῦλον ὁ ᾿Ιησοῦς ἀγαπᾷ
9.  ἀγαπᾷ ᾿Ιησοῦς Παῦλον
10.  ἀγαπᾷ ᾿Ιησοῦς τὸν Παῦλον
11.  ἀγαπᾷ ὁ ᾿Ιησοῦς Παῦλον
12.  ἀγαπᾷ ὁ ᾿Ιησοῦς τὸν Παῦλον
13.  ἀγαπᾷ Παῦλον ᾿Ιησοῦς
14.  ἀγαπᾷ τὸν Παῦλον ᾿Ιησοῦς
15.  ἀγαπᾷ Παῦλον ὁ ᾿Ιησοῦς
16.  ἀγαπᾷ τὸν Παῦλον ὁ ᾿Ιησοῦς

Nesses exemplos, a ordem das palavras e o uso dos artigos não fazem diferença no modo como a frase é entendida. Isso acontece por três motivos: (1) Por que no grego koinê a ordem das palavras normalmente não é importante; (2) Por que o grego sua declinações para especificar a função de um substantivo em uma frase; (3) Por que o artigo não é fundamental para o discurso em grego.

Entretanto, quando o autor escreve com verbo de ligação, a situação muda de figura. Por exemplo, Paulo é apóstolo poderia ser escrito de dos mesmos 16 modos, mas a ordem das palavras e o uso dos artigos fariam diferença. Esse fenômeno acontece em função de uma característica do grego koinê que usa casos para o substantivo. O caso nominativo normalmente desempenha a função de sujeito em uma frase, mas com verbos de ligação também pode ser o predicativo do sujeito.

Em nosso exemplo (Paulo é apóstolo), tanto Paulo como apóstolo estariam no nominativo: Παῦλος ἐστιν ἀπόστολος. Nesse momento a pergunta pertinente é: Quem é o sujeito e quem é o predicado de uma sentença como essa?

Nesse momento a ordem das palavras e o uso do artigo faz muita diferença. Felizmente, existe um padrão básico que podemos entender essa situação. Por exemplo, quando o autor usa artigo para o sujeito e predicativo do sujeito, temos uma situação que é indiferente na classificação de o sujeito e predicado. Observe o caso de Jo.15.1 na TNM:

Eu sou a verdadeira videira e meu Pai é o lavrador

Nesse caso, tanto sujeito como predicativo do sujeito tem artigo e chamamos esse caso de completa equiparação, ou seja, A=B do mesmo modo que B=A. O Pai é o lavrador, o Lavrador é o Pai. Uma regra geral do grego é que usualmente o predicado não tem artigo, mas quando usa pode acontecer como descrevemos acima.

Outro modo que poderia ser usado para descrever seria usar o predicativo do sujeito depois do verbo acompanhado de artigo. Nesses casos, a presença do artigo após o verbo garante que o entendimento do substantivo é definido. Observe o exemplo de Marcos 1.11 na TNM

e uma voz saiu dos céus: “Tu és meu Filho, o amado; eu te tenho aprovado.”

Nesse texto, certamente o sentido é definido. Marcos não fala que a voz disse que Jesus era um Filho, mas O Filho. A sentença grega deixa isso claro usando predicativo do sujeito depois do verbo com artigo.

Mas, o que aconteceria se o autor usasse o predicativo após o verbo, mas sem artigo? Essa construção seria entendia indefinidamente. Usualmente no grego koinê quando predicativo é sem artigo após o verbo de ligação, o sentido é claramente definido (salvo alguma indicação do contexto). Observe o caso de João 11.38 na TNM:

Por isso, Jesus, depois de gemer novamente no seu íntimo, foi ao túmulo memorial. Era, de fato, uma caverna e havia uma pedra encostada nela

Note que João aqui usa uma construção que evidencia que fala de uma caverna, não A caverna como se fosse uma em especial, ou a única existente. Nada de especial havia, era uma caverna. Essa construção é comum no NT e frequente em João. Mas, o que aconteceria se o autor usasse o predicativo do sujeito antes do verbo sem artigo?.

Bom, esse é o caso de Jo.1.1: καὶ Θεὸς ἦν ὁ Λόγος. Nessa frase como sabemos quem é o sujeito e quem é predicativo do sujeito? O substantivo que usa o artigo é o sujeito, portanto, O Verbo é o sujeito da frase. Mas, por que João usa esse modo de escrever?

Sabemos que se João quisesse dizer que o Verbo era o Deus Pai, ele teria usado os dois substantivos com artigo, como demonstramos com Jo.15.1. Mas, João não fez isso.

Se quisesse dizer que o Verbo era O Deus, ele poderia ter usado um pronome para substituir o Verbo e acrescer um artigo no substantivo Deus. Essa sentença ficaria assim: “No princípio era o Verbo, o Verbo estava com Deus, e ele era o Deus“. Mas, João não fez isso.

Se quisesse dizer que o Verbo era um deus, ele poderia ter colocado o predicativo do sujeito depois do verbo e sem artigo como em Jo.11.38. Mas, João nã fez isso. Então, o que quis dizer João?

Usualmente, quando o predicativo do sujeito está sem artigo e antes do verbo de ligação o sentido é qualitativo, como acontece umas 40 vezes só no evangelho de João (Jo.1.12, 14; 2.9; 3.4, 6 (x2), 29; 4.9; 6.63, 70; 7.12; 8.31, 33, 34, 37, 39, 42, 44 (x2), 48; 9.17, 24, 25, 27, 27, 31; 10.1, 2, 8, 13, 33, 34, 36; 12.6, 26, 50; 13.35; 15.14; 17.17; 18.35).

Ou seja, é mais provável que que João estivesse a dizer: “E o Verbo era divino“. Mas, observe que a palavra divino em português é uma palavra muito desgastada. Alguém poderia dizer “essa cadeira é divina” sem querer dizer que ela provém dos deuses, mas que sua forma, conforto são muito bons. Por isso, em português evita-se o uso desse termo.

É interessante que se João tivesse interesse em dizer que que Jesus é divino, no sentido que é superior a humanidade mas inferior a Deus, ele poderia usar o adjetivo grego Θειὸς. Mas, João não fez isso. Então, que quis dizer João com sua escolha de palavras em uma ordem específica?

Um último modo de se traduzir sentenças como essa é chamado modo correlato, em que o tradutor respeita a ausência de artigo do grego e traduz o predicativo do sujeito sem artigo. Esse caso também é comum em João e acontece algumas vezes (Jo.3.4, 6; 6.63; 8.44; 13.35; 18.37 etc.). Observe o caso de João 5.10 na TNM:

Os judeus começaram, por isso, a dizer ao homem curado: “É sábado, e não te é lícito carregar a maca.”

Nesse caso não é nem o sábado, nem um sábado, mas sábado. Possivelmente o sentido poderia ser qualitativo (sabático), mas parece mais apropriado ao contexto do verso que o modo adequado para se entender esse verso é o modo correlato. São idendenticos a esse os versos Jo.9.28; 20.14 e 21.4.

Portanto, a tradução correlata da ARA (e o Verbo era Deus) parece mais apropriado ao modo como João escolheu a ordem das palavras e os verbetes empregado na frase.



 Fonte: https://marceloberti.wordpress.com/2010/01/15/o-que-dizer-de-jo-1-1/